Depoimentos

 

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Um salto solo

Era um dia frio e de vento muito forte de um mês de julho.
Combinei com o piloto do Beech PT-KXN, avião que marcou uma época histórica em Boituva, que após o último lançamento ele continuasse a manter a reta e fosse subindo.
Já tínhamos passado o trevo da cidade de Tatuí - SP, seguramente a mais de 15 quilômetros do CNP (Centro Nacional de Pára-quedismo) em Boituva quando saí do avião a 14.000 pés e imediatamente comandei meu pára-quedas Cruisair azul e branco.
Não tinha certeza se conseguiria chegar até o alvo e logo percebi que a minha salvação em termos de direção seria a rodovia Castelo Branco, que passa ao lado do CNP.
O céu estava quase que totalmente nublado e as nuvens abaixo de mim apenas me permitiam ver, em alguns momentos, pedaços de chão. Fiquei então constantemente ligado para onde ia a rodovia .
Nessa época, começo dos anos 80, estava em moda a comunicação via rádio por intermédio da faixa do cidadão (PX). Eu possuia um par de transmissores portáteis que atuavam nessa frequencia e deixei um deles com meus amigos na área de Boituva e levando o outro comigo.
Havia várias camadas de núvens e eu ia brincando entre elas. Eram como se fossem cavernas ou túneis e lá ia eu gritando, passando por elas e descobrindo novas formações. E de olho na rodovia !
Às vezes, ficava totalmente imerso nas nuvens e aí dava uma maneirada nas manobras para não perder o rumo.
O frio era intenso e comecei a ficar preocupado pois minhas luvas não eram as mais adequadas para aquela situação.
Depois de algumas tentativas consegui fazer contato por rádio com o pessoal que me esperava no alvo. Disseram que me ouviam muito bem e que eu não precisava gritar e só aí percebi que estava realmente gritando enquanto falava, por causa do frio intenso !
Desliguei o rádio e voltei a navegar por entre as núvens. Cavernas, túneis, paredões, tudo isso eu encontrava lá em cima. Apesar do frio, a minha vontade era que aquela aventura não terminasse.
Depois de um bom tempo consegui enxergar a área de Boituva e fiz um outro contato via rádio com meus amigos. Em determinado momento tive que interromper a comunicação pois não conseguia mais acionar o PTT (botão que se aperta para se falar no transmissor) do rádio, não sem antes pedir para que levassem um cobertor até o alvo pois minhas mãos estavam congeladas e endurecidas.
Cheguei em cima da área de Boituva a uns 1500 pés de altura.
Muita gente me esperando, o bendito cobertor me aquecendo e à noite, papo gostoso contando a aventura durante o jantar no Hotel Garrafão, casa de todos nós. Assim terminou aquele sábado.
De todos os saltos que fiz em minha vida, esse seria o que mais eu gostaria de repetir, apesar do frio.
Me senti como uma verdadeira criança, sozinha em um parque de diversões feito só prá ela !
Obrigado, mundo maravilhoso do pára-quedismo, por tantas alegrias, emoções e aventuras.
Foi um salto solo, mas o mais prazeroso de toda  a minha vida !


                                                                                                               Por        
                                                                                                                      José Fideles.