Depoimentos

 

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Saco de batatas

Em todas as situações de treinamento para algum campeonato, os pára-quedistas, sem maldade, tendem a ser meio egoístas. Escolhem um lugar afastado para não ter interferências de outros perus e platéia.
Bem, era no início de 1986 e nossa gloriosa equipe de TRV (eu, Fideles, Tunico e Maurício Catelli) escolheu uma pista de pouso de fazenda, no município de Bela Vista (Goiás) para treinar para o Campeonato Brasileiro de TRV, que seria em Caldas Novas-GO. O Fideles foi com uma caminhonete A20 do Sr. José Fideles (saudoso) onde, em uma caixa de isopor trazia sanduíches e refrigerantes (foi a primeira vez que vi o Fideles sem falar em pamonha).
A pista era razoável (de terra), mas sem nenhum obstáculo absurdo. Cercas de arame farpado (argh!) e um “mundo véio de pasto sô”. Tudo corria muito bem. Vários saltos realizados e, por volta das 11 horas da manhã resolvemos dar uma pausa. Um calor insuportável. Daqueles que o chão evapora. Sabe como? Você olha rente ao chão e parece que está pegando fogo.
Do nada, aparece o Eduardo ! Essa figura é meu primo e também pára-quedista. Nunca descobri como o Eduardo nos encontrou. Enfim, até ali tudo bem. Ele estava de calças de jeans, sapato social e camisa de manga curta e o mais importante: sem pára-quedas. Conversa vai e conversa vem, o Tunico, em uma atitude magnânima e completamente altruísta, oferece seu equipamento para o Eduardo dar “um saltinho”.
Não acreditei! Disse que ele era inexperiente e tentei demover o Tunico dessa idéia. Nada. Irredutivelmente o Tunico emprestou não só o equipamento mas também o macacão e o par de tênis. Acreditam nisso?
Ante a derrota moral, me sobrou a missão de explicar para o Eduardo como navegar e aterrar naquele “mar de pasto”.
Só existiam duas possibilidades de problema: aterrar em cima da A20 do Sr. José Fideles ou se pendurar em uma cerca. Como a A20 estava estacionada perto de uma cerca as chances passavam a ser mais reais, porém remotas de um acidente.
Lá fomos para um salto de descontração e o Eduardo com seu “saltinho”. O peido fatal dentro do Cessna 210 é claro, veio das entranhas do Eduardo, após comer alguma coisa não autorizada pela vigilância sanitária. O avião perdeu 500 pés com essa mudança na qualidade do ar respirável. Bem, saltamos, navegamos e chegamos ao solo, salvos, mas não sãos, ainda sob os efeitos deletérios dos gases podres do Eduardo.
Como saltamos primeiro (eu, Fideles e Maurício), recolhemos os velames e nos encaminhávamos para a A20 quando resolvemos acompanhar a navegação do Eduardo. A essa altura haviam umas 20 pessoas próximas (a maioria crianças e os capiaus das fazendas) à A20, curiando o que estávamos fazendo. Lá vem o Eduardo. Uma navegação padrão, digna de um atleta experiente e conhecedor de seu equipamento.
Isso foi padrão até a uma altura de 100 metros aproximadamente. Foi quando, inexplicavelmente, o Eduardo se virou no rumo da A20, pegando um violento vento de cauda.
Todos, sem exceção, gelamos a alma ! O que era tido como impossível de acontecer passou por 3 fases em questão de segundos: 1) Pouco provável; 2) Provável; 3) Iminente. Lá veio o Eduardo com tudo no rumo da A20. Gritamos, acenamos...nada. No último segundo (não haviam minutos mais!) o Eduardo desviou à esquerda da A20 em cima das pessoas. Um senhor (juro que parecia que tinha uns 140 anos de idade!) teve um reflexo que daria inveja aos atletas. Tirou o corpo de lado para o Eduardo cair (ele não aterrou...enterrou), como um saco de batatas !
Levantou uma poeira incrível ante nossa feição estática e descrente do ocorrido. Com a mesma velocidade do impacto se levanta o Eduardo, com um galo fantástico do lado esquerdo de sua testa e com muita terra no rosto e boca. De pé, mancou um pouco e disse: “Estou bem! Estou bem!” Tragicômico... Ninguém entendeu onde ele havia batido a cabeça...
O episódio parecia ser o suficiente para o resto do dia. Não era. No ato de recolher o sujo velame (do Tunico) uma surpresa !
Descobrimos que o Eduardo tinha caído em cima de um menino de uns 10 a 12 anos de idade e nele deveria ter batido de cabeça. Quanto ao Eduardo tudo parecia normal. O menino estrebuchava no chão como e num ataque epilético. Inacreditável ! A sorte era que o pai estava perto e ajudou no atendimento.
O menino ficou nessa situação por alguns minutos, se acalmou mas não era responsivo. Colocamos o menino na tampa da caçamba da A20 e o pai, não sei se para nos tranqüilizar dizia: “ele está melhor!”
Era claro que isso não era verdade.
Como aquele brinquedo “João Bobo” o pai colocava o menino sentado e ele ia caindo, vagarosamente, para a direita até encostar na tampa da caçamba. E assim o fez por alguns minutos.
Vencido nossa fase de desespero, nos restou obrigar o Eduardo a levar o menino a um hospital. Incrivelmente ele e o pai do menino diziam: “Não precisa”. “Olha, ele tá melhorzinho ! ”.
Bem, o Eduardo levou o menino a um hospital e no final não tinha acontecido nada de grave. Passamos muito apuro.
É claro que arruinou o treinamento, mas quando soubemos que o menino estava bem a crise de risos foi inevitável.

                                                                                                                      Por
                                                                                                                               Nelson Jorge da Silva Jr